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A embaixatriz e a embaixadora

A esposa do embaixador é designada como embaixatriz, enquanto embaixadora designa a diplomata que dirige uma missão.

Os vocabulários com a chancela da Academia das Ciências, desde sempre, registam o vocábulo embaixador e indicam o feminino embaixatriz (1940, 1947, 1970). Francisco Rebelo Gonçalves no seu magistral Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) mantém a mesma posição.

A forma embaixatriz é, assim, a forma clássica feminina do nome embaixador e, de facto, tanto poderia servir para designar a mulher do embaixador como a diplomata que está à frente de uma embaixada (confronte-se, por exemplo, o caso de imperador e imperatriz). Poder, podia, mas…

Houve um tempo, felizmente ultrapassado, em que as mulheres não desempenhavam este tipo de cargos. Estes cargos eram apenas e exclusivamente reservados a homens. Como é do conhecimento geral, por imposição da função exercida, estes diplomatas deslocam-se frequentemente e fazem-se, muitas vezes, acompanhar da família, sobretudo das esposas. Assim, a mulher do embaixador herda o título do marido e é apresentada como embaixatriz, isto é, a mulher do embaixador.

Com o evoluir dos tempos, como estes cargos passaram a ser ocupados também por mulheres, sentiu-se necessidade de distinguir a ‘esposa’ da ‘mulher que realmente está à frente de uma embaixada’. Assim se convencionou que a palavra embaixatriz designaria a esposa do embaixador e a palavra embaixadora a diplomata. 

Não deixa de ser curioso abrir o Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas da Língua Portuguesa (1956), de Vasco Botelho de Amaral (p.1271): «Embaixadora: medianeira, mensageira».

O autor remete-nos para o sentido original do vocábulo (cf. Morais, 1789, «Núncia, que traz notícia»), lembrando que embaixador — do francês ambassadeur, por via do italiano ambasciatore — significa originalmente «enviado em missão junto a um governo estrangeiro», «portador de mensagem». Ainda hoje se mantém este valor, visível na aceção de «pessoa encarregada de uma missão particular».

Quanto a embaixatriz, Botelho Amaral admite o uso para ambos os casos. Mas, nos dicionários portugueses mais recentes, há unanimidade: a distinção é clara. Bom… em quase todos.

É bom recordar que a primeira portuguesa a exercer o cargo de embaixadora foi Maria de Lourdes Pintassilgo, na UNESCO (1975–1979), oficialmente designada como embaixadora.

E, como canta a Mariza, em letra de Fernando Tordo:

Como se eu mandasse nas palavras

Quiseram que emendasse o que está escrito

Para quê? Se eu mandasse nas palavras

Daria agora o dito por não dito.

Subtilezas da língua: muitos torcem o nariz entre embaixatriz e embaixadora. Imaginem só quando chegarmos à eterna polémica de presidente e presidenta!

Ana Salgado

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