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Fixação de texto

Fixação de texto? Do que se trata? Pergunta-me o meu colega Jorge Beleza.

Assim muito resumidamente e tentando ser clara na explicação, alinhavo umas breves palavras sobre o trabalho de fixação de texto.

Quando, por vezes, refiro que fixei determinado texto, quer dizer que veio a lume uma nova edição de um texto antigo. Tenho fixado algumas obras para a coleção de Clássicos da Guerra & Paz. Ora significa que para essa mesma edição consultei as primeiras edições publicadas, até ao ano da morte do autor. Estudo-as, analiso-as, para depois transcrever o texto de acordo com o texto-base, geralmente o último em vida do autor. Ou seja: faço a fixação do texto. Atualizo-o de acordo com as regras de escrita estabelecidas pelo editor (sejam as de 1990 ou as de 1945, como é o caso da coleção que acimo refiro) e com as convenções atuais. Tiro uma vírgula, aqui e acolá, só quando mesmo proibida; não toco noutras; não acrescento nada que não esteja no texto; uniformizo o sistema de maiúsculas; analiso o emprego de itálicos; recupero estrangeirismos na sua forma original, sobretudo no caso de Eça; dou nova vida a um «hein», que durante anos se converteu num «hem»; cato uma gralha, aqui e ali. À medida que vou avançando na página impressa, vou anotando as propostas, vou estabelecendo os critérios.

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Parece pouco? Nem por isso. É todo um mundo. E no caso de Eça é toda uma aventura, uma descoberta, dado o seu carácter minucioso. Na verdade, o nosso mercado está repleto de edições que não espelham o original. Tudo isto (apenas) se descobre quando fazemos este tipo de trabalho. No confronto que faço de edições, também tenho o cuidado de consultar outras edições disponíveis e atuais. E é assim que nos apercebemos do génio criativo de certos fixadores e revisores, que, por vezes, apenas se cingem a seguir certos modismos e práticas comuns à data de fixação.

O intuito de uma nova fixação de texto é o de apresentar edições fiáveis e que respeitem a última palavra do autor. É um trabalho de sapa, mas que a mim me encanta. Quando já existe uma edição crítica, a tarefa é facilitada, ainda assim, repito todo o processo, seguindo sempre as edições antigas.

Assim se fixa, assim se estabelece um texto. Pesa sempre sobre um fixador de texto a responsabilidade de selecionar o texto-base a adotar numa nova edição.

Termino com a entrada «fixação de texto», retirada do Dicionário do Livro (Coimbra: Edições Almedina, 2008), coordenado por Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão:

«Trabalho de crítica textual, de natureza estilística e filológica, que consiste na combinação e escolha de variantes de textos diferentes conforme as edições deles existentes, tentando reconstituir um ortotexto, um restauro do discurso específico do escritor. A fixação de um texto (no sentido de não se verificar a sua alteração) só foi conseguida quando do advento da imprensa, uma vez que até aí os copistas, involuntária ou involuntariamente alteravam  o que copiavam, no primeiro caso devido a distracções ou cansaço,  e no segundo caso por nem sempre concordarem com as opiniões do autor cuja obra transcreviam; a tipografia, criando uma matriz do texto que era sucessivamente impressa, permitiu que ele continuasse íntegro, ressalvando-se apenas algumas (pequenas) alterações quando, no decorrer da impressão, se dava conta de certas incorrecções ou gralhas.»

 

Ana Salgado

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