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Os galos cantam e não estou bebedíssima

Dei por mim uma noite, não uma noite qualquer mas esta precisa noite de insónia, a pensar nos galos. Sim, nos galos! «Por que razão cantam os galos?», indaguei-me.

O galo solta a sua voz porque reage a estímulos externos. O galo canta para mostrar quem é que manda, leio. Parece-me bem. O galo canta mais alto perante o inimigo e para marcar território. Mas por que razão um galo solta um cocorocó, e não, sei lá, um miau? Porquê? Saberá alguém dizer-me?

 

 

Na verdade, não ouvindo o cantar do galo até o ouço ou finjo que o ouço.

Estarei eu bêbeda? Trago-vos os galos, o cantar dos galos, a voz dos galos. Inicio um blogue em que Os galos cantam. Não há pinga de álcool a correr-me nas veias, juro-vos. Tranquilos. Permitam-me o direito de fingir. Até há uma razão, que não pode ser já revelada, para pensar em galos. Mais à frente, eu revelo. Melhor, há uma razão pela qual os galos me vêm à cabeça. Maravilhosa língua! Penso agora: os «galos» (aves) vêm-me à cabeça sem qualquer «galo» (inchaço) na cabeça.

Deitei-me e pensei nos galos. Até o ouço, o cantar de um galo. Eu e o galo, o galo e eu, sosseguem, pois levo para cama uma pessoa, esse Pessoa que foi Álvaro de Campos, e, claro, os galos, sempre os galos. Partilho convosco este poema que me tem acompanhado:

 

Os galos cantam e estou bebedíssimo


Os galos cantam e estou bebedíssimo.

Não fiz nada da vida senão tê-la.

Mal amei, bebi bem, sonhei muitíssimo.

Minha intenção não foi a minha estrela.

 

Os galos cantam e eu cada vez mais

Absorto no disperso que o álcool dá.

Curara-me talvez a vida, ou sais,

Ou poder crer, ou desejar o que há.

 

Cantam tantos tão galos que me irrita

Que a noite que ainda dura possa ser.

Mas virá o dia, e, ao fim da parte escrita,

A morte marra e eu deixo-me colher.

Álvaro de Campos

 

 

Talvez reaja apenas a um estímulo. Talvez queira cantar mais alto. Talvez queira apenas escrever ou cantar. Talvez inveje o Álvaro que está bêbedo e absorto. Por vezes, cantam tão galos que me irrita. De uma coisa estou certa: este é o meu território, este é o meu blogue, e conto convosco desse lado.

 

Afinal... Os galos cantam (e não estou bebedíssima).

 

Bem-vindos ao meu blogue!

 

Ana Salgado

 

 

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